Cada encontro está carregado da perda, ou de perdas. Às vezes duas pessoas que se amam (casados, solteiros, amantes, namorados) se encontram e são felizes. Ao fim da felicidade um deles chora, ou fica triste, ou baixa os olhos, ou é invadido por inexplicável melancolia. É a perda que está escondida no deslumbramento de cada encontro. O encontro humano é tão raro que, quando surge, vem carregado de todas as experiências de desencontros que a pessoa já teve e que a espécie já sofreu. Quando você está perto de alguém e não consegue expressar tudo o que está claro e simples na sua cabeça, você está tendo um desencontro. Aquela pessoa que lhe dá um extremo cansaço de explicar as coisas é alguém com quem você se desencontra. Aquele que só emite pouco lhe dando condições de intercalar os seus pontos de vista, é outro com quem você se desencontra. Aquele a quem você admira tanto, que lhe impede de falar, também é um agente de desencontro, por mais encontros que você tenha com a arte dele. A pessoa que só pensa naquilo em que vai falar e não naquilo que você está dizendo para ela, é alguém com quem você se desencontra. A pessoa que já vem conversar com você, com posições definidas e tomadas, é alguém com quem você se desencontrará. Alguém que o ama ou o detesta, sem nunca ter sofrido ao seu lado, é alguém desencontrado com você. Cada desencontro é perda, porque é a irrealização do que teria sido uma possibilidade. É a experiência de tantos desencontros o que marca os raros encontros que a vida permite. A própria vida é uma espécie de ante-sala do grande Encontro (com o Todo, com o Nada?). Por isso talvez seja uma provocação de desencontros preparatórios da penetração na essência do Ser. Mas, por isso ou por aquilo, cada encontro está carregado de perda. A perda é mais adivinhada do que sentida. E no ato de sentir-se feliz, intensamente feliz, associa-se a idéias do passageiro que é tudo, do amanhã cheio de interrogações, da exceção que aquilo significa. E uma tristeza muito particular se instala: a tristeza feliz. A tristeza feliz, não a que deriva das grandes dores, frustrações ou amarguras. É a que se associa ao momento bom, como a perda inerente a cada encontro, como sentimento de certeza de que tudo aquilo passará… Tristeza feliz é a que só surge depois dos encontros verdadeiros, tão raros. Encontros verdadeiros são os que se dão de ‘self` (si mesmo) para ‘self`, e não de inteligência para inteligência, de concordância para concordância, de interesse para interesse. Os encontros verdadeiros prescindem de palavras. Prescindem até, do clássico ‘precisamos conversar’… Quem se alegra demais se distancia da felicidade. Felicidade está mais próxima da paz que da alegria, do silêncio que da festa, do encontro que do debate. A alegria é ‘um Dom Divino, filha do alto Eliseu’, como diz Schiller, o poeta, no verso que abre a ‘Nona Sinfonia’ de Beethoven, mas ouso dizer que ela é divina na medida em que é um Dom, uma graça, uma centelha doada aos homens, para enfrentar a vida.
Eu diria que a alegria não é felicidade, e que a felicidade, muitas vezes, está mais perto da tristeza do que da alegria. Felicidade está mais perto da tristeza, porque a certeza da perda sempre se instala a cada vez em que estamos felizes. Cada encontro está carregado de perda. Nesta vida. E até na outra, que se existe (e permitirá o encontro redentor), precisou da perda desta vida. E esta certeza – a da perda – a que provoca aquela lágrima ou aquela angústia, que a gente não sabe porque às vezes se instala após os verdadeiros encontros. Há sempre uma despedida em cada alegria. Há sempre um ‘e depois’, após cada felicidade. Há sempre uma saudade na hora de cada encontro. Antecipada.
- ARTHUR DA TÁVOLA, extraído de O Globo – Rio de Janeiro.
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