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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Sobre taças e cálices. Ou: o que o casamento me ensinou sobre o amor.

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Por  Marcelo Pires




Sempre que me convidam a opinar sobre casamento, inevitavelmente me vem à cabeça taças de champanhe e cálices de vinho. Essas taças e cálices são os que ganhamos, no dia do nosso casamento. Na lista de casamento, as taças e os cálices são os meus preferidos. Claro que geladeiras, são um presentão. E que presentinhos como Tupperwares não são incríveis no quesito originalidade mas são práticos, necessários e bem vindos. Mas quem dá taças e cálices não está se preocupando com a vida prática. Está, na verdade, investindo na comemoração, na alegria, no momento especial, no tintim.

Eles despertam, usaram os lençóis, presentes da vovó. Tomam café, xícaras, presente de uma das sogras. Tem um longo dia de trabalho. Voltam pensando o que fazer como o bendito fondue que ganharam da tia. Ao chegar, tomam banho, com as toalhas presente de um dos sogros. Jantam (usam as travessas da cunhada), colocam um CD (que era de um deles antes do casamento), acendem um incenso (presente que ela tinha desde que namorava outro cara) e bebem vinho.

Finalmente, dão atenção um ao outro, chegando a si e ao outro. Pois é neste instante, breve, se pensarmos nas muitas horas do dia, que o casal está convivendo com o presente de um grande amigo do peito: os cálices. Se o vinho e o papo forem bons, provavelmente os lençóis, presente da vovó, serão bem utilizados em seguida. E o ciclo, no próximo dia, se repetirá, até um novo momento de paz, este, quem sabe, com champagne e outro presente de uma grande amiga do peito: as taças.

Taças e cálices são o que faz um casamento, não ser, argh, um matrimônio. Nem a mulher ser, argh, uma esposa.

Mas se você está pensando, que o casamento me faz pensar em taças e cálices porque acredito que uma vida a dois não resiste sem doses de carinho, sem momentos de delicadeza, sem intervalos amorosos. Isso é verdade. Mas não é toda a verdade.

O casamento também me faz pensar em taças e cálices porque os casamentos duram, duram, duram, e... um dia, essas taças e cálices começam a quebrar. Sim, quebra um em um jantar à luz de velas, outra em uma festa , quebra outro, quando os dois, meio bebados se caminham até o quarto, outro, por descuido na pia. E outros vários quando chegam os filhos. Assim, a gente vê, ali, no armário, a passagem do tempo. Nossa coleção de copos vai sofrendo dramáticas e terríveis baixas. (As fotos também ficam desbotadas a cada dia.) E ali, em frente ao armário, a gente se pega perguntando: apenas as taças e cálices não resistirão à longevidade do casamento? Nosso frágil amor resistirá? Quebramos, nós também, eu um cálice, ela uma taça? Será que um homem, devido ao tempo, implacável, exige que para continuar cônjuge, seja resistente e opaco feito tupperware? E que a mulher seja forte e fria como uma geladeira?

Não.

Sinceramente, acho que não.
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Taças e cálices ensinam que a fragilidade é bem-vinda. E mais do que bem-vinda: é fundamental. É bom que, com o tempo as coisas quebrem mesmo que sejam coisas muito queridas por nós. Cacos, são didáticos.

As pessoas costumam dizer que perdem as ilusões a medida que o tempo passa. E falam isso, como se fosse ruim se desiludir. Perder ilusões é sabedoria. Ilusão é truque. É dolo. É mentira. Não acredita? Olhe no dicionário. Ou... para a vida. Amor é amor quando você prefere mais o seu homem (bronzeado) do que um sonho (dourado). E é isso que o casamento ensina sobre o amor. Ou ao amor. Quando você perde ilusões, ganha na vida real. Em vez de perseguir uma quimera, descobre, que há tempo, chegou a um bom lugar: A sua própria casa.

Por isso, o tema casamento, me remete a taças e cálices. Esses copos cheram a nossa vida em um dia de celebração. Depois, se tornaram parceiros, sempre que a celebração, não importando o dia, voltava a tomar conta das nossas vidas. E então, esses sábios copos, despediram-se na hora certa, a tempo de deixar bem claro que a celebração, afinal, não estava neles. Mas em nós, marido e mulher. A ponto, de hoje em dia, marido e mulher estarem completamente convencidos de que é preciso comprar taças e cálices novos para a casa. Os deuses estão exigindo novos sacrifícos desse casal. Precisamos fazer novos brindes, quebrar novas taças, estraçalhar novos cálices. Copos, tremei!

E como casamento remete a taças e cálices, casamento acaba me remetendo a transparências. Faz sentido! Quanto mais tempo duas pessoas vivem, convivem, mais elas ficam transparentes uma para a outra. E isso não é ruim. Isso é amor!" 
(Marcelo Pires)





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