Todos nós, homens e mulheres, em algum momento de nossas vidas, vivemos o sonho do encontro derradeiro com um parceiro. Com características e perfis diversos, almejamos encontrar aquela pessoa ideal, nossa “alma gêmea”.
A valorização de características que, a priori, imaginamos que nos fará “felizes para sempre”, mudam de acordo com mudanças culturais, históricas e demandas pessoais.
Embora a busca seja clara - encontrar um grande amor- muitas vezes quando este encontro finalmente se dá, visualizamos ao longo de histórias conjugais sua deteriorização, ocorrendo por vezes angustia e sofrimento que se prolonga por anos na tentativa de reconstruir o sonho encantado.
Não pretendo aqui demonstrar que o casamento é uma instituição falida nem tão pouco discutir sobre o amor, mas sim levantar aspectos importantes que levam muitas vezes ao final de um relacionamento.
Expectativas: esta é uma das grandes vilãs das relações. Mulheres idealizam e esperam de seus parceiros verdadeiros “príncipes encantados”. Homens, por outro lado, esperam de suas parceiras grandes amantes, cúmplices e super mães. Essas idealizações trazem como conseqüência decepções e o desejo de que o outro se modifique para que este caiba em seus sonhos.
Não é difícil imaginar qual será o desenrolar dessa história: cobranças, brigas e desentendimentos que vão se acumulando, até o momento em que o relacionamento está tão desgastado que, algumas vezes, torna-se difícil refazer o mosaico que se desfez.
Mitos sobre o amor: nosso segundo vilão. A idealização do amor como algo infinito, constante, responsável pelo fim de nossos sofrimentos, faz com que as adversidades e crises comuns no casamento, como em qualquer relação, possa nos promover marcas de sofrimento, sendo muitas vezes desencadeadas por crenças disfuncionais, irrealistas, rígidas sobre o que é amor.
Esperamos que o amor fosse uma fusão. Fusão de duas pessoas que precisam se completar totalmente e tornar-se uma só. O amor não pode ser fusão simplesmente por ela não existir. Existe a solidão mesmo na presença do outro. Existe a infelicidade mesmo quando estamos vivendo momentos felizes. Existe a incompletude real e tácita. Se esperarmos que o amor nos leve a essa completude acabamos gerando sofrimento e possessividade. Platão descreve no Banquete o mal do amor: o amor ciumento, ávido, possessivo, longe de regogizar com a felicidade daquele que ama sofre atrozmente com ela, mal essa felicidade se afasta dele ou ameaça a sua. Os amantes amam os amados ”como o lobo ama seu cordeiro”. Esta forma de amor é o contrário do amor generoso que ao contrário de buscar suprimento oferece alimento.
Podemos também discutir sobre as crenças a respeito do casamento e relacionamento amoroso como um obstáculo valioso que interfere para uma vida a dois saudáveis: “devemos ser totalmente companheiros um do outro”; “se nos amamos, devemos contar absolutamente tudo para o parceiro”; “aquele que ama deve apoiar inteiramente o outro, em qualquer circunstância”; “se existe amor verdadeiro, o desejo sexual não deve diminuir ou acabar”; “o matrimônio deve ser para vida toda”; “devemos ter os mesmos gostos e interesses”; entre outras. Estas entre outras crenças nos levam a interpretar erroneamente situações e comportamentos de nossos parceiros, gerando emoções de menos-valia, abandono, raiva, desesperança, tristeza, etc.
É comum encontrar em nossos consultórios homens e mulheres cercados de idéias e expectativas que jamais serão cumpridas por seu (ua) parceiro (a), pois são idéias e expectativas pessoais de “como devo ser feliz”. Porque posso afirmar que jamais serão cumpridas! Pelo simples fato de que são demandas pessoais muitas vezes internalizadas desde a nossa infância, não possui uma correspondência direta com a realidade vivida. Pensamentos instalados sobre ser homem ou ser mulher, nos geram expectativas e conflitos na convivência com o outro. “““ “““ Podemos vasculhar e indicar alguns possíveis pensamentos que criamos e aprendemos durante nossa vida: “mulher que não tem filho não é mulher”; “é papel de a mulher conservar o casamento”,” a mulher deve se cuidar deve ser vaidosa”; “o homem deve ser o provedor”; “dinheiro é poder, é falo”; “o homem deve ser gentil e protetor”.
Imagine a seguinte cena: Casados há seis meses, a mulher e homem com profissões distintas. Certo dia o marido chega à casa cabisbaixo, calado e vai direto para o banho. A esposa preparou um jantar especial para agradar seu novo marido. Sorrateiramente, aproxima-se da suíte do casal e diz: “querido aconteceu alguma coisa”. Ele responde: “não, estou apenas cansado”. Ela por sua vez pensa: ‘estar cansado é mais importante que eu, que o jantar que fiz. Eu também trabalhei, estou cansada e mesmo assim preparei o jantar. É isso que ele chama de amor! Deve ter acontecido algo, não quero nem pensar o que, mas ele deveria dividir seus problemas comigo, afinal sou sua esposa, quem ele deveria confiar, a única pessoa que realmente pode ajudá-lo.. ’
O marido sai do banho, veste seu pijama e caminha à sala de jantar: “Você não vai me dar nem um beijo “– ele diz. Ela: “Quem deveria dizer isso sou eu. Cheguei a casa correndo, cansada, preparei a comida que você mais gosta e para você parece que nem existe alguém em casa. Entra pela porta e diz que está cansado! Dizer oi, pra que… tem a tonta aqui que está a sua disposição! Se em seis meses de casamento já está assim, daqui a pouco você dorme fora de casa e vai achar tudo normal “– diz a esposa enraivecida. O marido “retruca:” Você está louca, tive um dia horrível no trabalho, peguei um trânsito infernal! O tempo todo pensando em chegar em casa para ficar ao teu lado, te fazer um carinho e você vem cheia de acusações tudo por causa de um `magnífico jantar`! Isso é ridículo. Quer saber, não posso mesmo contar com você, o melhor que faço é resolver minhas coisas sozinho. Fique com o seu magnífico jantar que eu vou ficar sozinho com meus problemas. Assim está bom para você! …”
Vamos analisar este diálogo fictício (mas bastante real). A esposa esperava uma atitude de agradecimento, carinho e valorização de seu marido. Ele esperava compreensão, tolerância e também carinho de sua esposa. O que ocorreu para que a noite terminasse: simplesmente expectativas não atendidas e crenças individuais interferindo e modulando a forma de interpretação do comportamento do outro.
Estórias… desilusões. O que faltou neste pequeno episódio caseiro para que não se tornasse aversivo e destrutivo para os dois amantes: comunicação. Princípio básico: só há comunicação quando comunicador e receptor “podem” ouvir. O “poder” ouvir nos coloca novamente defronte a nossas crenças pessoais. Como conseguir ouvir se já possuímos crenças, idéias pré-concebidas sobre o amor, felicidade, casamento, etc. Simplesmente impossível! Ouvimos primeiro nossas crenças e regras e assim, a fala do outro, não é mais dele, e sim a interpretação que faço da fala que se esvai.
É prioritário que possamos nos desnudar de nossas ilusões, crenças, desejos puramente pessoais para podermos viver amando e não desamando.
Queremos e amamos o que não temos. O amor não é nada senão essa falta. Segundo Sócrates: “o que não temos o que não somos o que nos falta, eis os objetos do desejo e do amor”.
Então como resolver esta concreta equação entre amor e casamento! Talvez só exista um caminho seguro. Seguro não versando por segurança, mas pela esperança de uma solução. Abortar a dilacerante idéia de amor, o amor com que sonhamos o amor saciado e saci ante, o velho amor água-com-açúcar. Devemos focar no amor real, como ele é em seu sofrimento fecundo e fecunda dor, com a estranha mescla entre dor e alegria. O amor insaciável (pois não existe saci ação, fusão), muitas vezes solitário, mas sempre crescendo, inquieto com o que ama, e calado em suas crenças pessoais
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