Eu sabia que terminaríamos, eu sabia que era uma viagem sem destino, sabia desde o início e não sabia, não sabia que doeria tanto, que era tanto, que era muito mais do que se pode saber, ninguém pode saber um amor entender um amor, tanto que terminou sem muito discurso, foi uma noite em que você quase pediu, me deixe. Ora, pra que me enganar: você realmente pediu, sem pronunciar palavra, você vinha pedindo, me deixe, olhe o jeito que te trato, repare em como não te quero mais, me deixe, e eu, de repente, naquela noite que poderia ter sido amena, me vi desistindo de um jantar e de nós dois em menos de dez minutos, a decisão mais rápida da minha vida, e a mais longa, começou a ser amadurecida desde o dia em que falei com você pela primeira vez, desde uma tarde em que ainda nem tínhamos iniciado nada e eu já amadurecia o fim, e assim foi durante os dois anos em que estivemos tão juntos e tão separados, eu em constante estado de paixão e luto, me preparando para o amor e a dor ao mesmo tempo, achando que isso era maturidade. Que idiota eu sou, o que é que amadureci?
Você não ligaria no dia seguinte, era domingo, fui até a cozinha lavar a louça, mas não havia louça para lavar, o combinado era jantarmos fora na noite anterior, não jantamos, ninguém se alimentou, quanto tempo faz desde aquela noite, parece um século, foi ontem. Decidi seguir a rotina: o que eu fazia aos domingos de manhã?
Liguei o computador, escrevi, que é como organizo meu pensamento, escrevi e parecia que eu estava ditando a mim mesma um texto requentado, agora acabou, agora é comigo, sei que vou conseguir, tenho meus motivos, e me dei várias explicações, tentei me convencer, eu estava tão racional, tão genial, eu quase consegui, e não almocei, zanzei pela casa, tomei um banho, troquei de roupa, tirei suas fotos dos porta-retratos e desabei pela segunda vez, a primeira sem que você testemunhasse.
Guardei na gaveta aquela fotografia em que você estava de boné, parecia um garoto, me agarrando pela cintura. Guardei todas. Aquela outra, nós dois, eu de novo enlaçada por você. E uma de você sozinho, um flagrante, você não percebeu, bati a foto enquanto você lia o jornal, tão lindo, você era tão lindo, você ainda é o mesmo homem depois de ontem, o mesmo homem sem mim? Eu me olho no espelho e não me enxergo, não sou mais a mesma, perdi a identidade. Tirar suas fotos de vista me pareceu uma providência curativa, agora você não o verá mais, querida, vai esquecê-lo mais rápido, como somos inocentes. E eu lá quero esquecê-lo? Sua presença ainda está tão quente dentro desse apartamento, o colchão ainda está meio afundado do lado em que você dormia.
Não sei se as pessoas choram de forma diferente umas das outras, eu choro contraída, como se alguém estivesse perfurando minha alma com uma lâmina enferrujada, choro como quem implora, pare, não posso mais suportar, mas o insuportável é uma medida que nunca tem limite, eu chorei no domingo, na segunda, na terça, em várias partes do dia e da noite, um choro de quem pede clemência, de quem está sendo confrontado com a morte, eu estava abandonando uma vida que não teria mais, eu sofria minha própria despedida, morte e parto, eu tinha que renascer e não queria, não quero, sinto que caí num vácuo, perdi a parte boa da minha história, e não quero outra, enquanto choro penso que se alguém me visse chorar dessa maneira me salvaria, prestaria socorro, chamaria uma ambulância, eu nunca vi você chorar, você alguma vez chorou por mim, você sofre a minha ausência, sente minha falta? Estar sozinha nessa aflição me condói de mim mesma, é o labirinto do inferno, não há saída, não há saída, você não está me esperando lá fora, nem hoje, nem amanhã, você não vai fazer nenhum gesto para me resgatar, e se fizesse, eu não estenderia minha mão, e é isso que me faz descrer de tudo, eu sei que acabou, eu estava infeliz ao seu lado, eu estou infeliz sem você, mentira, eu era feliz ao seu lado, e nem sei se a palavra é essa, feliz. Felicidade é um resumo fácil, uma preguiça de investigar o muito mais que nos ergue diariamente, na época era o que me bastava, eu sabia onde estava e com quem, eu não estou infeliz, eu só estou perdida e não consigo mandar nenhum S.O.S., ninguém sabe onde estou, largaram meu corpo em cima dessa cama e ninguém me procura.
Não consigo mais ser uma pessoa comum, dessas que conseguem ver uma novela sem se afligir e que dirigem prestando atenção apenas nos sinais de trânsito, agora eu só assisto à tevê com o controle remoto na mão para que eu possa trocar de canal a qualquer indício de que virá cena de beijo, não consigo ver um homem e uma mulher se amando, é como se fosse uma agressão pessoal, vamos massacrar essa coitada, vamos fazê-la lembrar, mas não, eu não fico lembrando de nós dois, é muito mais torturante que isso, eu fico imaginando você com outra mulher, você beijando outra mulher, e isso me dá uma náusea que quase me faz desmaiar, fico em posição fetal, eu penso que vou ficar louca, como se já não estivesse, eu não posso ver uma foto de mulher bonita que já imagino o quanto você vai se interessar por ela, e vai desejá-la, eu passei a ter ódio de todas as mulheres que cruzam seu caminho, meu caminho. E no trânsito, eu só tenho olhos para as placas dos carros que são da mesma cor e marca que o seu, e quando um se aproxima eu rogo a Deus para que não seja você, e ao mesmo tempo quero que seja, e às vezes consigo não olhar, me sinto tão valente, consigo por minutos olhar só em frente, não reparo em nenhum veículo a minha volta, é como se estivesse sozinha na avenida, e é nessas horas que corro o risco de bater, eu acelero sem perceber e depois freio muito em cima dos outros carros, eu saio da minha pista sem sinalizar, eu esqueço pra onde estou indo, eu vejo você caminhando
pelas calçadas e não é você, de repente todos os homens do mundo ficaram idênticos a você, e eu ainda não me envolvi num acidente por um triz, ou talvez já esteja mais do que acidentada para ainda ter que enfrentar essa dor na carne, de verdade, sem ser apenas uma metáfora. Evito olhar os casais de namorados nas paradas de ônibus, e tem um painel publicitário em que um homem olha para uma loira com um desejo tão escancarado que me retorço e choro só de imaginar você olhando assim para outra mulher, e eu sei que você está, ninguém precisa me contar, eu sei como é que você se cura, se trata, você não chora nem lamenta, você volta pra rua, você vai atrás de todas as mulheres nuas feito um vira-lata, você está olhando nesse instante para outra mulher, está entrando nela, dizendo a ela como ela é gostosa, você está me matando dentro de você, e eu morro a quilômetros de distância, a sós comigo mesma, você transa com outra e me mata, você goza e me mata mais um pouco, você dorme e me deixa insone pra sempre, eu sei que não vai ser pra sempre, mas eu não enxergo o dia de amanhã, hoje eu só estou acordada pro eterno desse pesadelo, você era meu, droga, exclusivamente meu até dias atrás, meu como esse sofrimento.
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